Muitos estudos têm apontado a escuta de crianças, não só entendida como algo importante, mas como necessária para respaldar as decisões dos adultos
sobre temas que influenciam diretamente sobre o dia a dia
delas. Essas iniciativas são amparadas no pressuposto de que a criança é uma
“pessoa completa, competente, curiosa, criativa, com direito a ser ouvida e
atendida em suas necessidades específicas” (Cruz, 2008, p.12). Nesse sentido:
O que as crianças falam pode subsidiar ações a seu
favor e contribuir para mudanças que as beneficiem, porque seu ponto de vista
traz elementos que fortalecem pessoas e entidades preocupadas com os interesses
das crianças e que desenvolvem ações para construir de melhores condições para
que a criança viva sua infância (Cruz, 2008, p.14).
A cada semestre, realizamos avaliações na escola com
intenção de melhorar a qualidade da educação que oferecemos no CEMEI Irapará,
nessas avaliações é comum a participação de todos os funcionários e também das
famílias/responsáveis pelos educandos. Ao final do segundo semestre, decidimos
que seria essencial escutar o que dizem e o que pensam os principais
interessados em melhorar a escola: as crianças!
Mas porque seria tão essencial escutar as crianças
para avaliar a escola? A resposta mais objetiva seria afirmar que são as
crianças quem vivenciam o currículo na prática, e além disso, acreditamos no real
potencial que elas possuem de opinar sobre ele. Bebês e crianças captam com
muita sensibilidade aquilo que muitas vezes os adultos não são capazes de
enxergar... E captando a visão das crianças sobre o universo que as cercam no
ambiente escolar, podemos refletir com mais segurança sobre os caminhos já
percorridos, refazendo-os ou simplesmente mudando algumas rotas se assim for
preciso.
Quando se trata de escutar as crianças, devemos
considerar outras formas de expressão para além da oralidade: corporal,
gestual, facial, pictórica... Portanto, é um trabalho complexo que deve ser
realizado com cuidado e respeito:
“Ouvir a criança
exige a construção de estratégias de troca, de interação, mais do que de
perguntas e respostas, pelas quais se nega que as crianças constituem
significados de forma independente. Assim, o momento da escuta tem que ser
também o momento de expressão dessa representação, que é uma representação
coletiva. (Rocha, 2007, pg. 49).
O trabalho de escuta das crianças no CEMEI, foi baseado na metodologia
sistematizada no capítulo “A gente não quer só comida - falam as crianças” em
“Consulta sobre qualidade da educação infantil. O que
pensam e querem os sujeitos deste direito” (2006), que propõe a opção pela entrevista coletiva para
deixar as crianças mais confortáveis e à vontade frente aos entrevistadores
(adultos), outra decisão foi a de escolher crianças de 4 a 6 anos, que representassem as turmas de
MGI, MGII, Infantil I e II do CEMEI.
Os critérios de escolha das crianças foram: que estas
quisessem participar e que fossem crianças que ficassem a vontade na presença
de adultos. Essa escolha contou com a ajuda das professoras, e as crianças
puderam se voluntariar a participar da escuta.
O grupo foi montado com 1 criança do MGI, 4 crianças dos MGII
A e B, 4 crianças do Infantil I e 2 crianças do Infantil II. O local escolhido
para o grupo se reunir foi a brinquedoteca do CEMEI, e cada participante foi
convidado a se apresentar dizendo seu nome e sua idade.
Para
contextualizar as crianças e explicar o motivo desse encontro, foi contada a
seguinte história: “Em um lugar que não tinha escola resolveram construir uma bem
novinha para as crianças, mas as pessoas que iam construí-la não sabiam o que
fazer para que essa escola fosse bem legal. E por isso precisamos da ajuda de
vocês!”
As respostas foram dadas pelas crianças mais velhas, e mostram que a brincadeira está presente no dia a dia do CEMEI, assim como questões relacionadas a habilidades sociais:
“Para se divertir, ir no parque, para aprender” . (Samyra – 6 anos).
“Na escola a gente brinca”. (Taemilly – 3 anos).
“É muito importante a gente ir para escola, para
ensinar, para aprender e se divertir”. (Pedro – 6 anos).
“Para aprender a dividir”. (Pedro – 6 anos).
“Os filhos vão para escola para brincar”. (Taemilly –
3 anos).
As crianças do Infantil trouxeram também questões
relacionadas ao saber sistematizado para justificar a importância da
escola:
“Aprender a escrever o alfabeto. O alfabeto é um
negócio que ensina as letras”. (Pedro – 6 anos).
“A professora ensina a gente para fazer atividade. Atividade é fazer desenho, pintar, brincar,
desenhar”. (Michel – 5 anos).
Quando perguntados sobre o que não gostavam no CEMEI
Irapará, as respostas, na sua maioria, mencionaram situações de conflitos e
regras sociais:
“Não pode
jogar papel... bater no amigo, jogar lixo na escola”. (Samyra – 6 anos).
“Não pode quebrar as coisas da escola, também não pode
quebrar as cadeiras da “biblioteca” (brinquedoteca). (Samyra – 6 anos).
“Nessa escola ninguém bate”.
As crianças disseram que os lugares que elas mais
gostam na escola são parque e brinquedoteca. Ao serem questionados sobre o que mais gostam de fazer no CEMEI,
brincar foi citado de forma unânime.
Das brincadeiras citadas destacaram-se brincar de
futebol no parque, brincar de pecinhas, brincar de casinha.
A
questão de gênero apareceu espontaneamente, quando brincar de casinha foi
mencionado. Algumas crianças afirmaram que menino não pode brincar de casinha,
outras disseram que menina não pode brincar com menino. Quando questionados sobre
o motivo, não souberam responder, mas quando perguntados se brincavam com
determinada criança, afirmaram que sim. Algumas crianças então discordaram
dizendo que sim, meninos e meninas podiam brincar juntos, e meninos podiam
brincar de casinha.
No tema alimentação, as crianças disseram que gostavam
da comida do CEMEI, e quando questionadas sobre o que não gostavam não souberam
dizer, disseram que gostavam de tudo, mas sugeriram que na escola houvesse
brigadeiros, balas, e outras guloseimas.
Após certa insistência sobre o que não gostavam no CEMEI,
tivemos uma resposta do Michel (5 anos) que a principio não entendemos:
Perguntado sobre que hora seria essa, eis a explicação:
“É a hora que minha turma vai no parque e não pode
correr, porque senão, tromba nos bebês”.
“Não pode balançar que bate nos bebês”.
“Mas mesmo assim eu gosto dos bebês” (Pedro – 6 anos).
Referindo-se ao momento que os bebês também estão no
parque, conforme a proposta de Integração do CEMEI.
Convidadas a tirarem fotos dos locais que mais
gostavam, os balanços de pneus ganharam destaque. Fizeram questão de mostrar várias
possibilidades de brincadeiras nos balanços.
“Eu gosto mais do balanço, porque quando provei tinha
medo, e não tenho mais, porque agora eu sei.” (Mallu).
“O parquinho porque o mais legal é se balançar” (Samyra).
Outros locais também foram fotografados, como o gira
gira, o balanço adaptado para cadeirante e a brinquedoteca.
“A brinquedoteca é o lugar que mais gosto, porque lá
tem vários brinquedos, o que eu mais gosto é o pula pula.” (Michel – 5 anos).
No parque, foi mostrado lugares que são considerados
perigosos, exemplo o morro gramado atrás da escola:
A programação da semana da criança apareceu nos
desenhos com destaque para o dia das brincadeiras com água:
“Foi o dia mais legal da escola”.
Foi especialmente lembrada por uma criança que não
pôde participar da atividade com água (a mãe não o autorizou) e este ficou
somente usando a mangueira para encher as piscinas.
“Fiquei triste porque eu queria tá lá dentro e eu tava
doente”
Sobre a festa de aniversariantes do mês na escola, as
crianças disseram que gostam, mas questionaram porque não tem brigadeiro.
Ao serem questionados que músicas costumam cantar na
escola, as crianças do Infantil cantaram a música em japonês que ensaiaram para
os visitantes japoneses que recebemos em outubro/ 17.
A participação das crianças mostrou que nas salas que existe
a prática diária de roda de conversa, crianças são mais desenvoltas e seguras para
se posicionar e dar sua opinião sobre diversos assuntos. O contrário também é verdadeiro,
as crianças que não costumam participar de rodas de conversas, respondiam “Não
sei” para a maioria das perguntas e não quiseram/ souberam se alongar nas
respostas.
As crianças foram convidadas, após a roda de conversa,
a desenhar a escola, o que gostavam e
o que não gostavam.
Lara desenhou o parque, o balanço e a escada do CEMEI.
Nicolas desenhou a sala de aula, enquanto ele e o colega brincavam, a
professora os observava.

O balanço apareceu em vários desenhos, assim como o fato da escola ter dois andares, como podemos observar no desenho da Lara (escada) e da Mallu.
A escuta das crianças evidenciou pontos que demandam
atenção e replanejamento:
·
Os horários de parque comum por faixa etária, de maneira
que as crianças vivam a integração, mas também tenham momentos de liberdade sem
que isso possa significar risco para bebês e crianças menores.
·
A prática de roda de conversa precisa fazer parte da
rotina diária das crianças para estimular a expressão oral.
·
A discussão da relação de gênero se faz necessária nos
grupos de estudo das professoras, pois ficou evidente a divergência de ideias
entre as crianças.
·
A manutenção da grama do parque precisa ser mantida para
que não interfira na liberdade das brincadeiras na área externa.
As falas, corpos, expressões, desenhos e gestos das
crianças, de um modo geral, expressaram situações bastante positivas, tendo o
brincar como momento privilegiado na rotina do CEMEI e as figuras das
professoras citadas de forma afetiva. As crianças demonstraram satisfação e suas
falas condizem com a proposta de integração do CEMEI.
Responsáveis pela realização da escuta das crianças e relato: Professora Carol e Coordenadora Pedagógica Michele.
Responsáveis pela realização da escuta das crianças e relato: Professora Carol e Coordenadora Pedagógica Michele.
BIBLIOGRAFIA
· CAMPOS,
Maria Malta; CRUZ, Silvia Helena Vieira. Consulta sobre a qualidade da educação
infantil: O que pensam e querem os sujeitos deste direito. Cortez, 2006.
· CRUZ,
Silvia Helena Vieira. A criança fala. Escuta de crianças em pesquisa. Cortez,
2008.