Paraisópolis.
Quinta-feira, 22 de março de 2018, duas semanas de greve. Passa das
9h00 horas da manhã, poucos presentes, estamos na escola, foi convocada uma reunião
com os pais numa tentativa de demonstração de respeito por eles e por
suas crianças. O diretor está falando do momento em que vivemos e como isso
afeta e afetará ainda mais aos professor@s e consequentemente às crianças e à
qualidade da educação.
Pouco tempo depois, ele
chega, está acompanhado de sua mãe, entra com ela na escola e ignorando os
adultos sentados ali no refeitório passa direto em direção as salas, sua mãe o
chama de volta, ele não entende, para no meio do caminho – por que não posso ir
para a sala? Não é essa minha escola? (depois, descubro infelizmente que não,
mas voltemos por ora a cena), sua mãe lhe chama mais uma vez, ele não volta,
não quer voltar. Ele quer entrar e com, no máximo, seus dois anos e pouco, faz
com a
mãozinha o gesto de chamamento, sorrindo através da chupeta – vem mamãe,
vamos – parece dizer com seu corpinho.
Não. Hoje não. Então a
mãe vai até ele e carinhosamente o pega no colo, ele resiste choraminga, não
entende o porquê disso. Depois se acalma e brinca na mesa do
refeitório sem entender o motivo de não o terem deixado entrar. Também nós
não entendemos pequeno, o porquê a educação está sendo atacada
a cada dia, também nós não entendemos, pequeno, porque querem diminuir
nosso salário, porque querem precarizar o que já é muitas vezes tão precário,
não entendemos, não entendemos mesmo, porque tantos por tanto tempo e ainda
hoje dizem
defender a educação, defender que é por ela que podemos salvar nosso
país e no entanto não se importam com quem faz a educação, com quem pisa
no chão da escola.
São tantos os discursos,
mas ninguém realmente nos explica e talvez por isso não consigamos entender nem
nós, nem você nem tantas outras crianças que não tem vaga na escola
ou na creche apesar de isso ser um direito de vocês. Porque essa
escola, depois, infelizmente, soube que não é a sua escola, é a escola
da sua irmã, por isso você sabe onde ficam as salas, mas não é a sua
sala, você não conseguiu vaga aqui, apesar de se sentir tão pertencente
e se fazer tão presente.
Sim, pequeno, são
tantas as coisas que não entendemos. Não entendemos porque lutar por nossos
direitos possa assustar tanto alguns que detêm o poder a ponto de mancharem
suas mãos de sangue, com nosso sangue, pequeno, nosso sangue
escorrendo de nossos corpos assustados por tanta brutalidade.
Nosso sangue que corre em nossos corações e mentes angustiadas por tamanho
desmanche que estamos sofrendo e que tentam nos impor a cada ano.
Mas, pequeno, nem tudo
é incompreensão e angústia e vocês nos mostram a renovação da vida diariamente
e de
vocês, crianças, nós entendemos! Nós estudamos muito e nos
esforçamos diariamente para entender vocês, porque vocês têm muito a nos ensinar,
mas só quem tem ouvidos de ouvir e olhos de ver é que consegue aprender com
vocês.
E como aprendemos,
aprendemos que os tempos são diferentes, que brincar é tão, mas tão importante
e que faz toda diferença na vida de todo mundo; aprendemos que ajudar
é legal, que abraçar é bom, muito bom; aprendemos
que às vezes o que mais precisamos é de um colinho amoroso; que elogios
fazem bem; aprendemos o quão importante é
saber ouvir; saber respeitar o outro; aprendemos que somos
e não somos todos iguais e que está tudo bem. Aprendemos como é bom
poder brincar lá fora, no parque, na grama, na terra;
aprendemos que cair faz parte e que às vezes dói, dói muito e o mundo
parece acabar, mas que depois passa, tudo passa; aprendemos
a perdoar,
muito fácil e rápido; a fazer amizades; a dividir a comida, a água; a compartilhar
carinho, amor, cuidado.
Espero que também
eles possam aprender com vocês, pequeno. Aprender que educação
se faz sim, com amor e sensibilidade, mas que o amor, apesar de toda
sua grandeza, não enche barrigas, não compra materiais e brinquedos, não
paga contas, não garante uma formação inicial e continuada de
qualidade, não paga funcionários da cozinha, da limpeza, não
cai na conta no final do mês, o
amor não constrói mais escolas, não redige leis que garantam o direito
de nossas crianças, e a qualidade de sua educação. É preciso estrutura
para se educar com amor; é preciso material de qualidade; é preciso que
professoras
e professores tenham uma boa formação e sejam valorizados; é preciso
que as crianças tenham, de fato, acesso a uma escola de qualidade, sem
salas superlotadas e com estrutura para recebe-las; que elas sejam ouvidas e respeitadas;
que os funcionários (terceirizados) das escolas sejam respeitados
humana e profissionalmente; que se lute pela melhoria e não, que se
precise a cada novo momento lutar para não perder direitos já conquistados.
É por essa luta, para
não perdemos direitos e para que vocês não percam o, infelizmente ainda, parco
direito de vocês que hoje você não pôde entrar, mas desejamos e lutamos para
que você
volte e não venha só trazer sua irmã, mas que também fique,
nos mostrando a nós atentos educadores tudo que vocês têm para nos ensinar.
Uma
professora
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